terça-feira, 28 de outubro de 2008

A Resposta.

Um texto antigo (?) que, depois de não passar na prova, transformei em uma historinha ... aí vai:

A Resposta

(Alegoria sobre prova do processo de seleção da pós-graduação na Educação da USP)

Depois que “os que se dizem, mas não são” apresentaram ao Aprendiz o seguinte texto, de um dos seus:

“A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para educação. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la. Não consigo entender como até hoje mereceu tão pouca atenção. Justificá-la teria algo de monstruoso em vista de toda monstruosidade ocorrida. Mas a pouca consciência existente em relação a essa exigência não calou fundo nas pessoas, sintoma da persistência da possibilidade de que se repita no que depender do estado de consciência e inconsciência das pessoas. Qualquer debate acerca das metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auscwitz não se repita. Ela foi a barbárie contra a qual se dirige toda educação.”lhe foi pedido que o comentasse. Com serenidade e em busca da Verdade, o Aprendiz lhes respondeu:

“O Sr. Adorno se preocupa com a repetição de um holocausto. De um crime contra a raça humana. Mas, ele mesmo esteve vivo para presenciar alguns outros holocaustos. E, depois desses, ainda houve outros tantos. E há, ainda hoje, muitos outros. E, de fato, a educação não pode evitá-los. Nem mesmo abrandá-los.

Mas nada como apontar um fato escandalosamente horroroso, despistando o olhar de outras conseqüências desta própria guerra a que se refere o Sr. Adorno. E de tantas outras!

A educação também não ajudou às próprias vítimas de Auschwitz a aceitarem uma convivência pacífica com seus vizinhos palestinos. Isto porque nada, nem a educação é alheia à ideologia.

Sob diferentes ideologias, a educação de um povo, vítima de injustiças sociais, pode levar a diferentes maneiras de encarar o mundo e de definir regras de conduta para agir sobre ele. Pode levá-lo a uma atitude revolucionária, isto é, de reação contra essa injustiça ou pode levá-lo a tomar uma espera passiva e a aceitação dessa injustiça como norma imutável. Nesse sentido, a educação é um instrumento da ideologia, por exemplo.

O Sr. Adorno destaca a educação de seu contexto ideológico quando clama para que esta seja a responsável pela conscientização da sociedade para os riscos de um novo Auschwitz. Isto é impossível.

A exploração do trabalho alheio, a manutenção de um contingente de desempregados, na sociedade, para a manutenção de salários baixos, a miséria, a opressão, a falta de oportunidades, a eterna incerteza, a violência da fome; tudo isto em confronto com a ostentação de uma classe, gera uma reação que, hoje em dia, não está mais organizada, como no passado, mas diluída no seio da sociedade. O inimigo perdeu seu rosto, o patrão também. Então esta reação tem alvos aleatórios e objetivo imediato: a sobrevivência. E a educação não pode, por ela mesma, conter este processo. Também não pode evitá-lo. Mas pode, através de uma ideologia diversa da dominante, criar uma consciência em um nicho da sociedade que organize e viabilize esta luta.

É claro, um projeto educacional deve ter o apoio da Instituição Governamental para abranger um maior número de cidadãos. E só uma abrangência grande poderia causar uma mudança significativa da sociedade. Mas uma educação baseada em uma ideologia revolucionária dificilmente é apoiada e difundida pelos representantes dos direitos da classe dominante.

Auschwitz foi a grande tomada de consciência da humanidade em relação ao mal de uma sociedade auto-predatória, que distingue seus membros (seres humanos) não só por raças, sexos e credos, mas principalmente pela quantidade de dinheiro que possuem.

Infelizmente, não só para o Sr. Adorno, contamos outros tantos Auschwitz, da metade do século XX até o primeiro ano do XXI; tantos holocaustos, desde Hiroshima, tão próximo do horror que o Sr. Adorno aponta, até a repetição reiterada e diária das crianças vendendo balas no trânsito e se drogando ao largo da vista.

Tantos outros holocaustos fomos, somos e seremos educados a esquecer quanto sejam altas as taxas de lucro das indústrias bélicas e a prepotência de grupos econômicos que nos impõem sua vontade pela força do dinheiro que possuem. Até quando seremos educados a aceitar essas barbáries?

Esta educação não pode ajudar a evitar nada, pelo contrário, só pode ajudar à manutenção deste estado de coisas, que já não estavam bem à época do Sr. Adorno, mas que herdamos à luz desta educação.

Por fim, a barbárie contra qual deveria ser dirigida a educação é, na verdade, a base da própria educação: sua ideologia, que esvazia o significado das coisas, substituindo-o pelo dinheiro.

Portanto, para que a educação seja formadora de consciência e de memória, a sociedade em que ela está atuante deve buscar esses valores. Caso contrário, ela vai ser instrumento de manutenção de um eterno Auschwitz.”

Seus Mestres lhe sorriram discretamente e o Aprendiz percebeu, então, que seria exilado. E sorriu com alegria.

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